Os sistemas de radiodifusão de serviço público não comercial têm sido, ao longo da história da comunicação nas democracias, uma notável marca civilizatória. Na Europa, tendo a BBC britânica como sua principal referência, esses sistemas representam até hoje, não obstante o avanço da radiodifusão comercial, uma alternativa de programações jornalísticas, educativas e culturais recebida e admirada pelas sociedades em que estão inseridas. Mesmo nos Estados Unidos onde, a exemplo do Brasil, a radiodifusão comercial foi dominante desde suas origens, o sistema PBS – Public Broadcasting Service – é conhecido e respeitado por seu jornalismo equilibrado, seus documentários aprofundados, sua dramaturgia desvinculada da superficialidade comercial e sobretudo, por seus programas infantis e juvenis de indiscutível qualidade educativa e cultural.
A EBC, Empresa Brasil de Comunicação, foi criada no Brasil para ser, nos limites de nossas possibilidades políticas, culturais, sociais e econômicas, um sistema de radiodifusão de serviço público não comercial que, ao longo de seu desenvolvimento, almejasse chegar um dia a ser, se não uma BBC, por conta das diferenças estruturais do desenvolvimento da radiodifusão na Europa e no Brasil, mas, ao menos, uma prestadora de serviço público nos moldes da PBS americana. Uma prestadora de serviço público de radiodifusão não comercial, mantida em parte por recursos públicos, em parte por apoios culturais e patrocínios, em parte por prestação de serviços à sociedade.
Mas, criada em 2008, a EBC mal teve tempo de, nos termos formulados pelo Conselho Curador em 2012, rever seu modelo institucional, por meio de seminários internos e debates com a sociedade ao ser atingida por intempestiva decisão do novo governo, que, na prática, destrói aquele modelo, ao, entre outras medidas, extinguir o Conselho, ao qual cabe assegurar, por força da representação social de que é revestido, a autonomia da empresa e o estrito cumprimento da lei que a criou.
Não deixa de ser paradoxal, no momento mesmo em que a sociedade e o Poder Judiciário reivindicam medidas de controle sobre o Estado e, em particular, sobre as empresas estatais, que a única empresa pública a ter, definido por Lei, um Conselho Curador – ativo e operante – seja alcançada por uma medida que esvazia, quando não impede, o exercício de controle que se torna uma exigência dos valores democráticos aplicados à gestão de autarquias e empresas estatais.
Os abaixo-assinados, ex-integrantes do Conselho Curador da EBC, vêm a público apelar ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo no sentido de que reformem a decisão de encaminhar e acolher a Medida Provisória que, na prática, ao extinguir o Conselho Curador, extingue o primeiro, e ainda em curso, processo de se ter no Brasil uma experiência fundamental de radiodifusão de serviço público não comercial, pública, autônoma e inclusiva.
Como ex-integrantes do Conselho Curador da EBC, que deram início e participaram do debate de revisão e melhoramento do modelo institucional da empresa, nos colocamos à disposição das autoridades responsáveis daqueles poderes, em harmonia com o atual Conselho, com a direção da empresa, com as mais diversas representações da sociedade, para, juntos, não deixarmos morrer no Brasil uma iniciativa civilizatória à altura das mais nobres esperanças democráticas e cidadãs, para este e qualquer outro país.
Em 06 de setembro de 2016
Assinam:
Cláudio Lembo
Jurista, professor universitário, ex-governador de São Paulo
Daniel Aarão Reis
Professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF)
João Jorge Rodrigues
Presidente, Samba Reggae & Cidadania
Luiz Gonzaga Belluzzo
Economista, professor universitário, foi presidente do Conselho Curador da EBC
Maria da Penha Fernandes
Militante feminista e inspiradora da criação da lei federal no. 11.340/2006, batizada com seu nome: Lei Maria da Penha.
Murilo César Ramos
Professor e pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom), da Universidade de Brasília (UnB)